Amizade tem limite

Amizade tem limite

14 de setembro de 2018
por Amanda Ribeiro -
Colégio Recanto - Rio de Janeiro, RJ


Dois físicos, um sociólogo e um antropólogo entram em um colégio. Têm quatro perguntas para os alunos:

  • – A quem você contaria seus problemas?;
  • – Quem você não gostaria que fosse embora do colégio?;
  • – Com quem você se sentaria para comer?;
  • – Com quem você gostaria de trabalhar?.

As respostas se enchem de nomes de crianças, que os quatro cientistas transformam em um número.

O estudo financiado pela Fundação BBVA e publicado na revista PNAS representa um marco porque, segundo Sánchez, um dos pesquisadores,  “pela primeira vez uma teoria matemática é capaz de predizer um fenômeno social”.

Confira abaixo as principais questões levantadas pela pesquisa:

Círculos de amizade

É óbvio que, se você não tiver amigos, algo acontece com você. Também é estranho encontrar alguém que diga ter 30 superamigos, porque aos realmente íntimos você dedica mais tempo (e os dias só têm 24 horas) e mais espaço no disco rígido do seu cérebro (precisa se lembrar se gostam mais de carne ou de peixe, quantos irmãos têm, seu último problema no trabalho...).

O lógico é que você tenha mais nomes na lista de conhecidos do que na do seu núcleo de amizades. E assim surgem os círculos de amigos, maiores e mais numerosos conforme se afastam do núcleo.

“Tudo é óbvio quando se sabe a resposta.” Sánchez cita o título de um livro para responder a essa pergunta. “O que não é tão óbvio é que haja uma matemática rigorosa que explique por que isso é assim. Também é óbvio que a água a determinada temperatura se transforma em vapor, mas depois vem a física para explicar por que isso ocorre. Isto é exatamente igual.”

“É verdade que parece tudo muito natural, mas é preciso medi-lo, e por isso é ciência”, defende Tamarit, também pesquisador. “Observamos que os seres humanos estruturam suas amizades seguindo um padrão, e o que fizemos foi demonstrar matematicamente por que isso acontece.”

Os autores foram a uma universidade norte-americana para colocar sua matemática à prova. Lá comprovaram que 98% dos alunos organizavam suas amizades de maneira similar: poucos amigos muito íntimos, alguns quantos bons amigos, e muitos conhecidos.

O número máximo que somos capazes de administrar é 150, conforme formulou Robin Dunbar nos anos noventa. Mas a estrutura de como os organizamos é dinâmica. “Se você tem um melhor amigo e vai morar fora, ou se você rompe com seu cônjuge, de repente fica um vazio”, explica Sánchez. “O cérebro parece que detecta isso e diz: há lugar livre. Talvez na camada dos conhecidos você nem note, mas nos primeiros círculos você detecta esse vazio e o preenche. Comportamo-nos de um jeito como se fôssemos átomos e tivéssemos elétrons.”

O número máximo que somos capazes de administrar é 150, conforme formulou Robin Dunbar nos anos noventa. Mas a estrutura de como os organizamos é dinâmica. “Se você tem um melhor amigo e vai morar fora, ou se você rompe com seu cônjuge, de repente fica um vazio”, explica Sánchez. “O cérebro parece que detecta isso e diz: há lugar livre. Talvez na camada dos conhecidos você nem note, mas nos primeiros círculos você detecta esse vazio e o preenche. Comportamo-nos de um jeito como se fôssemos átomos e tivéssemos elétrons.”

A física de uma ilha deserta

Os pesquisadores puseram à prova seu modelo em um ambiente diferente. O que aconteceria se o número de amizades estivesse limitado por questões físicas (como numa ilha deserta, tipo a série Lost) ou linguísticas? A matemática predizia um resultado, mas isso ocorria na realidade?

A oportunidade de comprovar chegou graças ao trabalho de campo de um sociólogo, José Luis Molina, entre imigrantes búlgaros e chineses radicados na Catalunha. Nas comunidades analisadas, os círculos de amizades saíam invertidos: todos eram amigos íntimos de todos (até 50), e a lista de conhecidos era mínima.

“Foi o momento mais emocionante do trabalho”, comenta Tamarit. “Se você tiver um número limitado de relações, o normal é que estas se tornem fortes, mas ninguém havia pensando nisso. Do ponto de vista antropológico, fazia sentido, matematicamente não era isso, e depois na realidade vimos que era assim.”

Os amigos ‘tapa-buraco’ no Facebook

Se nosso tempo e nossa inteligência só nos permitem ter um determinado número de amigos, o que a pesquisa tem a dizer sobre essas pessoas que têm mais de 500 amigos no Facebook?

“As redes sociais permitem que tenhamos mais amizades, mas as relações são mais superficiais, porque você lhes dedica menos esforço”, esclarece Sánchez. O Facebook se encarrega de nos recordar muitas coisas sobre nossos amigos, como o dia de seu aniversário. Assim, graças a essa liberação de armazenamento no nosso disco rígido do cérebro, podemos ampliar para até 220 relações. A partir desse número, teremos certamente amigos tapa-buraco.”

“É preciso analisar o custo disso”, acrescenta Tamarit. “Se você tentar estender muito a sua rede, mesmo que seja com relações muito superficiais, deixará de atender aos bons amigos. É como se tivesse um orçamento para as relações. Se gastar tudo em comprar muitas bugigangas, no final não poderá ter um bom amigo.”



Número de Dunbar

Nosso cérebro está projetado para estabelecer relações de amizade. O curioso é como as administramos: existe um padrão, e ele tem forma de círculos. A grande maioria de nós conta com nosso núcleo de três a cinco pessoas com as quais temos uma relação muito íntima. Depois temos um círculo com uma dúzia de boas amizades, outro mais amplo de trinta amigos com os quais tratamos frequentemente, e por último um grupo de conhecidos que vemos de vez em quando.

Ao todo, uma pessoa normal pode manejar, dada sua capacidade cognitiva e seu tempo limitado, 150 amizades. Essa cifra é conhecida como “número de Dunbar”, proposto pelo antropólogo inglês Robin Dunbar nos anos noventa ao observar como os chimpanzés se relacionavam (eles têm menos amigos porque são menos preparados que nós).

A novidade que esta pesquisa oferece é que agora há uma matemática que respalda a ideia de Dunbar partindo apenas de duas hipóteses, de novo, óbvias:

1) diferentes amizades exigem esforços diferentes;

2) não se pode ter infinitos amigos, porque seus recursos de tempo e capacidade são limitados. “Se essas duas hipóteses forem cumpridas, demonstramos que a teoria de Dunbar se cumpre, e aparecem esses círculos de amizades”, afirma Sánchez.




Fonte: Adaptação: https://brasil.elpais.com/brasil/2018/08/08/ciencia/1533757216_400078.html

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