O Dia da Virada

O Dia da Virada

3 de janeiro de 2010
por Ronaldo Limoeiro -
Colégio Recanto - Rio de Janeiro, RJ


Quem inventou o Ano Novo?

Num lugarejo perdido, em algum lugar desse mundo, vivia alguém cheio de boas intenções e de promessas.

Ele não era muito diferente de nós e das outras pessoas que conhecemos...

Consciente de que precisava mudar, fazia promessas para si mesmo, e, muitas vezes, as divulgava aos quatro ventos. 

Essa era a grande diferença entre ele e muitos de seus vizinhos que, também, faziam promessas e não cumpriam.  

Por certo, o senhor Prometheus era alguém que tinha dificuldades com a sua própria vontade, sempre adiando suas ações de transformação.

Os motivos eram vários, como por exemplo: a chuva, o sol forte, o vento, à noite mal dormida, a preguiça, o compromisso com o descompromisso e mil e uma razões.

Precisava mudar suas atitudes perante si mesmo e a vida, mas, não fazia o esforço necessário, tornando-se um poço sem fundo de desculpas.

Seus amigos o consideravam bem intencionado, pois, vivia prometendo mundos e fundos para o dia seguinte. Na verdade, muitos eram como ele, mas discretamente. Talvez por isso tivessem por ele uma certa tolerância, portanto, ele não estava sozinho...

Um cara legal que divulgava suas metas sem pudor e publicamente, contudo, como o prazo de prestar contas era o dia seguinte, vamos e venhamos, um prazo mais curto que perna de cobra, o senhor Prometheus ficava em situação constrangedora e sua autoestima no pé. Tempo curto demais para que as pessoas deixassem de cobrar as promessas feitas pelo pobre homem.

E assim, ele ia empurrando, dia após dia, a realização de suas decisões.

Diante do desgaste e da desmoralização, resolveu ampliar seus próprios prazos. O dia seguinte já era.

Se um dia era pouco, uns sete dias deveriam bastar. Assim pensou e assim fez. Suas promessas só seriam pagas após sete dias. Em uma semana muita coisa poderia acontecer para distrair aquela gentinha que vivia pegando no seu pé. Gentinha igual a ele, mas que não tinha a sua coragem de anunciar aos quatro ventos suas necessidades de mudanças.

Esta magnífica idéia, a semana, funcionou em parte. Após sete dias, muitos cobravam suas promessas, mas nem todos e até o próprio, vez por outra, esquecia delas.

Bem, funcionou por um tempo.

Quando a idéia da próxima semana ficou incorporada no cotidiano dos seus vizinhos, o número de cobranças começou a crescer novamente. Não era como antes, contudo, incomodava.

Surgiu, então, um novo esquema. Contou os dias que deram origem a semana e decidiu que juntando algumas semanas conseguiria mais tempo para que ele e seus vizinhos esquecessem suas bravatas de mudanças.

É, funcionou melhor do que a primeira vez. Ele e um número maior de pessoas, após um mês, efetivamente, tendiam a esquecer com mais frequência as suas promessas.

Mais uma vez foi possível perceber que a anciosidade e a tensão diminuíram ao seu redor e ele não estava sozinho...

Diante deste sucesso progressivo, enfim, veio a melhor das soluções. 

Ficou fácil, o esquema já havia sido criado, foi só aprimorar mais um pouquinho, ou melhor, esticar.

Foi então, que na sua sagacidade e oportunismo, fundamentados no esticar dos prazos e prorrogações, percebeu que ali estava um futuro de sucesso.

Seu discurso sobre as vantagens de se renovar as promessas que demandavam esforço, deixando-as ao sabor do tempo, tornou-se veemente, exaltado mesmo, e muito convincente.

Transformou-se num pregador de uma nova ordem.

Muitas pessoas, assim como ele, padeciam deste mal. Para elas era muito difícil abrirem mão de suas vontades e desejos.

Melhor seria fazer como a desacreditada criatura que empurrava tudo com a barriga até o próximo mês, quando, todos os pecados eram trocados por novas promessas e um novo prazo.

Da noite para o dia, seu Prometeus de desacreditado passou a condição de salvador. Seus seguidores se apressaram em constituir uma ONG, a RODPD – Redenção dos Oprimidos e Deprimidos pelas Promessas Descumpridas.

“Genial” exclamavam!

Cada vez mais, sua fala mobilizava mais gente e a idéia de deixar para depois crescia junto com a multidão.

Finalmente, a fruta ficou madura e o momento tão desejado e festejado tornou-se uma instituição.

Enfim, fez-se a luz, o Ano Novo, o dia da virada!

Para um bom entendedor, o momento oportuno para zerar e renovar as promessas não cumpridas e ganhar mais um ano para se transformar num autentico pagador de promessas profissional. A cada ano a cruz fica maior e mais pesada.

“No ano que vem, podes crer, vou ser uma outra pessoinha, vou começar a trabalhar, emagrecer, estudar, vou parar de fumar, de beber, pagar minhas dívidas e me tornar muito bonzinho”.

Ledo engano, nosso herói, e seus seguidores, agora aos bilhões, conseguiram uma forma mais eficaz de se esconder nos meandros do tempo e de se livrar, temporariamente, das pressões para passar a limpo as suas vidinhas e sem traumas.

Em um ano dá para esquecer muita coisa... Viva o Ano Novo!

Quanto à criatura que começou tudo isso, o senhor Prometeus Envãos, não se espantem, mudou e enriqueceu fabricando e vendendo fogos de artifício, uma vez por ano, para uma legião de pessoas que apostam nos “milagres” do Novo Ano, sem fazer força.


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