O que vem a ser alimentação saudável de fato?

O que vem a ser alimentação saudável de fato?

25 de maio de 2018
por Amanda Ribeiro -
Colégio Recanto - Rio de Janeiro, RJ


Carlos Augusto Monteiro é um dos mais importantes especialistas brasileiros em questões que tocam a relação entre alimentação e saúde. Médico, Monteiro é professor da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo.

Ele faz parte do painel de especialistas em Nutrição NUGAG (Nutrition Guidance Expert Advisory Group) da Organização Mundial da Saúde, e também fez parte de duas forças-tarefa da Organização Panamericana de Saúde para eliminação das gorduras trans e para redução do consumo de sódio nas Américas.


Em entrevista ao Museu do Amanhã, Carlos Monteiro esclarece o que é alimentação saudável e analisa a alimentação do brasileiro nos dias de hoje.

ara o entrevistado, "uma alimentação saudável requer políticas públicas adequadas desde o cultivo dos alimentos até escolhas bem informadas dos cidadãos sobre o que vão comprar, o que vão colocar no prato."

Confira agora os esclarecimentos do pesquisador sobre alimentação :

“Alimentação saudável” é uma expressão tão repetida - desde a publicidade até os debates públicos - que parece ser um senso comum. Mas o que vem a ser alimentação saudável de fato?

Dependendo do tipo de alimentação que uma pessoa tem, ela terá mais ou menos saúde, mais ou menos doença. A alimentação que é saudável, que dá mais saúde para as pessoas e às ajudam a viver mais e melhor, com mais bem-estar, é também a alimentação que é produzida por um sistema alimentar que agride menos o meio ambiente e promove mais igualdade.

Os alimentos variam de lugar para lugar – mas há requisitos que são, digamos, universais. Um consenso é o de que a alimentação precisa ser baseada em alimentos. Parece uma constatação óbvia, mas não é. Nas últimas décadas, mais e mais pessoas se alimentam não propriamente de alimentos naturais – ou destes alimentos modificados como vem sendo há séculos, milênios –, mas consumindo fórmulas, formulações industriais. Por mais que tenhamos a capacidade tecnológica e industrial de criar estes compostos, eles não têm a capacidade de substituir a alimentação que é baseada nos alimentos naturais e nas preparações culinárias desses alimentos.

Podemos considerar que a alimentação saudável tem, então, quatro dimensões :

1. A primeira delas é que este tipo de alimentação se baseia em alimentos que a natureza nos proporciona e que podemos – e devemos modificar. Veja o leite, por exemplo: se in natura, estraga rapidamente e pode estar contaminado. Por isso processos como a pasteurização fazem com que o leite não perca nenhum nutriente que é importante, o que nos ajuda a consumi-lo com segurança durante vários dias. Mesmo os alimentos in natura, que vêm diretamente da natureza para a nossa mesa sem intervenção da indústria, sofrem algum processamento mínimo. Eles são secos, empacotados, moídos, fermentados.

2.A segunda dimensão da alimentação saudável é que, além de ser baseada em alimentos in natura minimamente processados, é preciso tê-los em grande diversidade. Não existe, na natureza, um “super alimento” capaz de, sozinho, nos nutrir e alimentar. Por isso precisamos de alimentos em grande diversidade para ter uma dieta saudável. Se você consome pelo menos 5 grupos de alimentos diferentes, é muito provável que você vá ter uma proporção nutricional bastante elevada.

3. A terceira característica é o consumo de uma pequena proporção de alimentos de origem animal. A maior parte das calorias que consumimos deveria vir de plantas, de alimentos de origem vegetal.

4. A quarta dimensão de uma alimentação saudável tem a ver com a preparação destes alimentos. O uso de ingredientes culinários processados – como sal, açúcar e qualquer tipo de gordura – são fundamentais para transformar os alimentos em comida, em receitas, em sobremesas e preparações culinárias. São importantes para o surgimento de culturas culinárias. No entanto, precisam ser usados com moderação para que a maior parte das calorias não venham destes produtos industrializados, mas sim do arroz, do feijão, das hortaliças, da fruta, do leite, enfim, dos alimentos reais, dos alimentos de verdade.

E como está a alimentação dos brasileiros hoje? Mudou muito nos últimos anos? E quais são as tendências para o futuro da nossa alimentação?

O que acontecia no Brasil, como em vários outros países, é que a discrepância entre quantidade de alimento disponível para o consumo e a capacidade de compra das pessoas de alimentos já foi um grande problema. No Brasil, há uns 50 anos, havia pessoas que eram tão pobres, em tal quantidade - ainda há, mas menos - que não tinham capacidade econômica de adquirir alimentos nem em quantidade nem em qualidade. Por causa disso se tinha o que chamamos de “monotonia da dieta” – inclusive crianças, que que precisam de uma alimentação ainda mais diversificada que adultos por estarem crescendo. Assim, tínhamos muita desnutrição infantil em decorrência da pobreza, que leva a dietas muito monótonas. Lembro que, quando comecei a estudar no sertão, via muito isso. 

No entanto, outro fenômeno aconteceu nesse período: à medida em que as pessoas deixaram de ter este limite tão estrito de renda e poder aquisitivo e passaram a ser consumidoras, também houve uma mudança muito grande no sistema alimentar. O Brasil do fim da década de 1990 começou a ter investimentos gigantescos de empresas internacionais que dominam a produção o mercado de alimentos ultraprocessados. Com a abertura de capital para investimento estrangeiro nesta época decorrente das negociações do Conselho de Washington, várias empresas, como as de refrigerantes, biscoitos, sobremesas, salgadinhos e redes de fast food vieram para o Brasil.

Assim, de um lado, tivemos mais pessoas com poder e de compra e de outro, uma entrada massiva de capital estrangeiro que inclusive passou a comprar empresas nacionais de alimentação. De modo que, hoje, praticamente não há empresas de alimentação ou de bebidas que seja nacional – são todas internacionais.

Passamos a ter um número crescente de pessoas que começam a deixar de almoçar, de jantar e de comer o seu arroz com feijão para se alimentar de produtos ultraprocessados – snacks, refrigerantes, fast food, comida congelada, sopa instantânea, macarrão instantâneo, sobremesas industrializadas... estes que estão na categoria dos chamados alimentos ultraprocessados. Inclusive alimentos ultraprocessados chamados nutricionais ou de linha diet e fit – não são saudáveis porque são nutricionalmente muito pobres, feitos com ingredientes de muito baixo custo.


Por isso, no Brasil estamos enfrentando uma epidemia de obesidade e diabetes sem paralelos. E isto é um caso de saúde pública, porque tem impacto no desenvolvimento urbano e na economia – e inclusive no sistema de saúde que não tem recurso de saúde para atender a todas estas pessoas, já que estas doenças demandam muitos recursos, muitos medicamentos. Mesmo em países ricos como os Estados Unidos, por exemplo, o sistema de saúde não suporta arcar com todos os custos – e por isso os preços de seguro de saúde ficam cada vez mais altos por lá.

Fonte: Texto adaptado: https://museudoamanha.org.br/pt-br/entrevista-com-medico-carlos-monteiro-importancia-da-alimentacao-saudavel

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