Retratos da leitura

Retratos da leitura

10 de junho de 2016
por Amanda Cordeiro Ribeiro -
Colégio Recanto - Rio de Janeiro, RJ


“Publicou-se há dias, o recenseamento do Império, do qual se colige que 70% de nossa população não sabem ler. (…) A nação não sabe ler. Há só 30% dos indivíduos residentes neste país que podem ler, desses uns 9% não leem letra de mão. 70% jazem em profunda ignorância.”

A declaração é de 15 de agosto de 1876, mas, infelizmente, o retrato descrito por Machado de Assis não fica muito longe da realidade que vivemos agora. Hoje, mais de um século depois da fala do escritor, 92% da população não é considerada proficiente na leitura e na escrita tanto de textos como de tabelas e gráficos. Os dados são da pesquisa Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf), divulgada no início de 2016.

Estou contando tudo isso para vocês porque, ontem, eu acompanhei o lançamento da quarta edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, que entrevistou mais de 5.000 pessoas para entender melhor os hábitos de leitura da nossa população.

Entre muitos achados, os pesquisadores descobriram que 84 milhões de brasileiros (somos pouco mais de 200 milhões) não completaram ou nem começaram um livro nos três meses anteriores às perguntas. Ou seja, lemos pouco.

E, quando lemos, poucas vezes são livros de literatura. Entre os 18 primeiros livros citados como a última leitura dos entrevistados figuram principalmente livros religiosos, de autoajuda e best-sellers, como a BíbliaO Monge e o Executivo, de James C. Hunter e Muito mais que cinco minutos, da youtuber Kéfera Buchmann.

Não é citado nenhum clássico literário.  Além disso, em 2014, livros como os didáticos tiveram o triplo de vendas em comparação a biografias, por exemplo.

Mas o que eu achei mais interessante de tudo o que foi exposto foi perceber que nossos hábitos e deficiências relacionados à leitura se mantiveram ao longo das últimas décadas. Quem me ajudou a ver isso foi a Marisa Lajolo, pesquisadora e crítica literária da Unicamp.

Um dos exemplos que ela deu foi do período do Império, época em que viveu Machado de Assis. Naquele tempo, a obra mais vendida também foi um livro didático, o Lições de Coreografia Brasileira, de Joaquim Manuel de Macedo, com 3.000 exemplares. As vendas de um livro literário, nesse caso, Memórias Póstumas de Brás Cubas, do próprio Machado, foram um terço disso. Vê semelhanças? Pois é…

Saí do lançamento com mais perguntas do que certezas. Por que não estamos criando o hábito da leitura nas pessoas? Por que lemos pouca literatura? Qual é exatamente o problema que a rara presença da literatura causa? Por que, mesmo entre a população que foi alfabetizada, muitos não conseguem ler textos complexos?

E você, o que acha sobre o assunto?

 

"Os livros resistirão às tecnologias digitais"

Especialista em história da leitura, Roger Chatier, professor e pesquisador da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais do Collège de France e da Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos, concedeu entrevista à revista Nova Escola, em 2014, sobre algumas questões que envolvem o hábito da leitura e sobre como as novas tecnologias influenciam o hábito de ler.

Destacamos algumas questões respondidas pelo Especialista que envolvem a Educação:

 

Que papel a literatura ocupa na Educação atual?

CHARTIER:  A escola se afastou da literatura, principalmente no Brasil, porque está preocupada em oferecer ao maior número possível de crianças as habilidades básicas de leitura e escrita. Mas acredito que os professores devem acolher a literatura novamente, da alfabetização aos cursos de nível superior, como mostram várias experiências pedagógicas.

 

Muitos dizem que desenvolver o gosto dos jovens pela leitura é um desafio.

CHARTIER:  Certamente. Mas é papel da escola incentivar a relação dos alunos com um patrimônio cultural cujos textos servem de base para pensar a relação consigo mesmo, com os outros e o mundo. É preciso tirar proveito das novas possibilidades do mundo eletrônico e ao mesmo tempo entender a lógica de outro tipo de produção escrita que traz ao leitor instrumentos para pensar e viver melhor.

O senhor quer dizer que a internet pode ajudar os jovens a conhecer a riqueza do mundo literário?

CHARTIER:  Sim. O essencial da leitura hoje passa pela tela do computador. Mas muita gente diz que o livro acabou, que ninguém mais lê, que o texto está ameaçado. Eu não concordo. O que há nas telas dos computadores? Texto - e também imagens e jogos. A questão é que a leitura atualmente se dá de forma fragmentada, num mundo em que cada texto é pensado como uma unidade separada de informação. Essa forma de leitura se reflete na relação com as obras, já que o livro impresso dá ao leitor a percepção de totalidade, coerência e identidade - o que não ocorre na tela. É muito difícil manter um contato profundo com um romance de Machado de Assis no computador.


As novas tecnologias não comprometem o entendimento e o sentido completo de uma obra literária?

CHARTIER:  Sim e não. A pergunta que devemos nos fazer é: o que é um texto? O que é um livro? A tecnologia reforça a possibilidade de acesso ao texto literário, mas também faz com que seja difícil apreender sua totalidade, seu sentido completo. É a mesma superfície (uma tela) que exibe todos os tipos de texto no mundo eletrônico. É função da escola e dos meios de comunicação manter o conceito do que é uma criação intelectual e valorizar os dois modos de leitura, o digital e o papel. É essencial fazer essa ponte nos dias de hoje.

O novo suporte tecnológico pode auxiliar a leitura, mas não necessariamente o desempenho escolar.

CHARTIER:  Pesquisas realizadas em vários países mostram que o uso do computador na Educação, quando acompanhado de métodos pedagógicos, melhora, sim, o aprendizado, acelera a alfabetização e permite o domínio das regras da língua, como a ortografia e a sintaxe. É preciso desenvolver políticas públicas que tenham por objetivo a correta utilização da tecnologia na sala de aula.

Fonte: http://revistaescola.abril.com.br/blogs/leitura/retratos-da-leitura-no-brasil-ontem-e-hoje/ http://revistaescola.abril.com.br/lingua-portuguesa/fundamentos/roger-chartier-livros-resistirao-tecnologias-digitais-610077.shtml

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