A essência da infância

A essência da infância

14 de abril de 2016
por Amanda Cordeiro Ribeiro -
Colégio Recanto - Rio de Janeiro, RJ


Excesso de atividades, desenhos infantis e superproteção são alguns dos comportamentos comuns das famílias nos dias de hoje que afetam o desenvolvimento saudável das crianças, segundo Daniel Becker.

Daniel Becker é pediatra formado pela UFRJ e mestre em Saúde Pública pela FIOCRUZ. Foi pediatra da Ong Médicos sem Fronteiras na Tailândia e um dos criadores do Programa de Saúde da Família.

Desenvolveu o conceito de Pediatria Integral, um conceito de que a criança precisa ser vista de forma mais abrangente. Não é apenas tratar e prevenir doenças, mas cuidar do bem-estar emocional, social e até espiritual da criança e da família.

Para o pediatra Daniel Becker, alguns hábitos de vida adotados em nosso dia a dia são verdadeiros pecados cometidos à infância, que prejudicarão as crianças até a vida adulta.

Confira abaixo trechos da entrevista do especialista sobre alguns comportamentos nocivos à infância que devem ser analisados pelos pais.

Excesso de atividades:

Você defende que a criança precisa do tédio, de um tempo para não fazer nada. O que seria isso?

A vida urbana não permite que a criança extravase sua energia. Tem criança que fica de oito a dez horas conectada a aparelhos, seja o smartphone, o tablet ou mesmo a TV. Elas não têm mais direito a um momento de consciência. Elas ficam o tempo todo distraídas, ocupadas. E o tédio é a fonte da criatividade. A mente vazia é aquela voltada para si mesma, com pensamentos mais auto reflexivos. É aí que vai surgir a criatividade, e não em uma mente preocupada em consumir conteúdo que só a distrai, como nos celulares.

Aula de inglês, vôlei, natação são bacanas, pois a aquisição de habilidades é ótima. Mas desde que venha contrabalanceada com horas livres. A criança precisa de tempo desestruturado para brincar. E não fazer só um roteiro estipulado pelos outros, só absorver as mensagens externas. Ela precisa da possibilidade de chegar em casa e brincar com o que quiser, ou ir para o parque e se divertir como preferir. Brincar sozinho também é uma atividade geradora de inteligência, de criatividade, de lidar consigo mesmo. O brincar é uma arte que simula a vida. A criança que sabe brincar é um adulto que sabe viver. Os pais precisam inserir seu filho em um mundo onde há brinquedos, em que ele pode assumir o papel ativo, criar um roteiro, dizer quem é aquele personagem que inventou. Se você oferece um boneco do Homem Aranha, por exemplo, o roteiro já está dado. Não há imaginação. O tédio não é deixar o filho sem fazer nada. É permitir, por exemplo, que ele possa ficar no balanço de uma pracinha. Sobe e desce. É um momento dela com ela mesma, uma meditação.

 

E o que dizer sobre as formas de lazer que as crianças têm? 

Percebo que cada vez mais pessoas preferem o shopping center ao parque. E o shopping nada mais é do que a extensão desse sistema de consumo, de publicidade. O lazer virou consumo, o consumo virou lazer.

Nesse centro de compras, a criança vai ter a continuidade das mensagens que recebeu na TV, no celular, no tablet. Ela viu o anúncio do brinquedo e vai chegar no shopping e ir correndo para a loja.

Muitas famílias desperdiçam recursos preciosos comprando brinquedos caros que já vêm com o script pronto, não oferecendo um bom mecanismo de desenvolvimento à criança. É uma pena que o lazer esteja se tornando o shopping. A natureza é ótima para a família como um todo. Tenho trabalhado para que esse tema vire uma bandeira de toda a sociedade. O lazer externo traz inúmeros benefícios. Ele afasta um pouco a gente da tela. Não dá para andar de bicicleta, correr ou subir na árvore com um tablet na mão. Também é uma forma de melhorar o convívio direto e interativo entre pais e filhos. Além disso, essas crianças vão ver crianças diferentes, branco vai ver negro, criança pobre vendo criança rica. O convívio com as diversidades gera empatia e compreensão das diferenças. Além, é claro, dos benefícios da própria vivência ao ar livre, o sol, o vento, as árvores. Eles reduzem agressividade, alergias, distúrbios do sono, melhoram a socialização e aumentam a inteligência, além de outros inúmeros benefícios comprovados cientificamente.

Desenhos infantis:

Qual a importância de os pais acompanharem o que as crianças assistem, por exemplo?

Repare em todos os desenhos onde existe pai e mãe. Veja como esse pai e essa mãe são representados. É impressionante. Sem teorias conspiratórias, mas muitos desenhos são bancados por publicidade. E a quem interessa dizer à criança que o pai é bobinho? A ridicularizá-lo? Se o papai diz que não é bom, ele é bobo, não sabe de nada. É dessa forma que os pais são retratados em inúmeras animações. Essa desautorização da família vem de um processo midiático e publicitário muito inteligente. Você acha que isso é à toa? Eu acho que a criança pode assistir TV, se os pais estiverem por perto e fazendo uma mediação; se interagir com a criança enquanto ela assiste ao desenho e desenvolver essa visão crítica nela sobre como os pais estão sendo retratados, há salvação. Mas, se a criança está imersa, sem os pais por perto, é muito difícil que não absorva esses valores distorcidos.

 

 

Superproteção:

Vivemos numa sociedade onde o risco e o medo estão presentes no nosso dia a dia. Como não tornar nossos filhos vítima desse pânico?

Hoje tendemos a superproteger nossos filhos. Bolhas de todo tipo se interpõe à experiência da criança com o mundo. A superproteção impede que as crianças tenham contato com as frustrações, as dores, os arranhões e as dificuldades. E que, portanto, desenvolvam mecanismos para lidar com elas. Mas a vida certamente vai trazer tudo isso para elas – alguém duvida?

Mas creio que boa parte dessa obsessão vem da falta de intimidade que a modernidade impõe entre pais e filhos. Convivemos pouco, e temos tantos objetos, telas, distrações e entretenimentos se interpondo entre pais e filhos que a intimidade se esvai. A intimidade nos dá segurança para o cuidar. É nela que podemos suportar e consolar o sofrimento do outro, mesmo que ele seja uma filha.

Sem intimidade, fica difícil acolher a dor em silêncio ou com um simples “vai passar” com a voz transmitindo serenidade e segurança; fica difícil também impor limites, dizer não, suportar o choro da contrariedade – tão necessário à formação do caráter de uma criança.

Facilitar processos de aprendizagem, removendo dele as dificuldades, e as famosas “dores do crescimento”; proteger excessivamente, remover todos os riscos e impedir as frustrações, pode impedir justamente o que é mais essencial na aprendizagem: o fortalecimento de nossos filhos.

Confrontando medos na infância, nos tornamos adultos menos ansiosos, mais preparados para a vida.

A solução.

Quais as suas dicas para criarmos “crianças como crianças”?

Acolher as crianças nas suas emoções. Especialmente as crianças pequenas têm uma racionalidade limitada e uma emocionalidade muito grande. Se ela está com raiva, você pode dizer pra ela “você está com muita raiva”. E mostrar de forma teatral o que está acontecendo com ela, fazê-la entender o sentimento que ela está tendo e dar permissão para ela sentir essas emoções, tanto negativas quanto positivas. Acolher também os desejos: “você quer esse brinquedo, eu sei que você quer muito ele, eu te entendo, mas a mamãe não pode comprar ele agora”. Isso quebra um pouco esse mecanismo da birra. Ter convivência com os nossos filhos, oferecer a eles oportunidades de conversa, de refeições em família, de sair na rua juntos, brincar nos parques, subir no trepa-trepa, ralar o joelho no chão, cair do skate (com capacete!), subir numa árvore, levar um zero, aprender com a frustração.

Tudo isso é importante para formar uma criança mais feliz e um adulto mais íntegro, preparado para conviver com o outro. Pra saber respeitar o outro a primeira coisa que a criança tem que entender é que ela não é o centro do mundo. Ela é um membro da família e ter relações igualitárias com os outros membros da família vai fazê-la entender que ela vive numa sociedade. Esse é o nosso papel como pais.

Fonte: http://pediatriaintegral.com.br/como-criar-borboletas-que-voam/ http://vidasimples.uol.com.br/noticias/horizontes/a-essencia-da-infancia.phtml#.Vr3G6vkrKUk

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