Amigos possíveis

Amigos possíveis

28 de abril de 2016
por Amanda Cordeiro Ribeiro -
Colégio Recanto - Rio de Janeiro, RJ


A cartinha escrita na noite anterior que pretendia entregar ao meu paquera estava na mochila e confidenciei isso a uma amiga da escola. No meio da aula, ela revelou meu segredo para todos da sala. Soube então o que significava a confiança. E como era importante.

Encontrar um amigo não é tarefa fácil. É preciso coincidir a vontade de compartilhar uma história, que envolve capítulos da comédia ao drama, em narrativa não linear. O desafio é posto sobretudo pela complexidade das relações humanas – amigos precisam estar dispostos à experiência de se conectar em nível profundo e positivo para trocas, oferecendo o que há de melhor dentro da gente.

Só que estamos em constante processo de transformação, atropelados por uma rotina de obrigações sufocante e apressada, e a instabilidade parece não favorecer a construção de laços mais profundos ou a manutenção de vínculos mais próximos. A amizade, contudo, resiste teimosa a essa lógica e se agarra à nós como uma alternativa para seguirmos em frente juntos, compartilhando o bem-querer.

 

Amigos são pessoas afins que se encontraram; a disponibilidade para o convívio e a dedicação investida na relação mostraram que elas se complementavam a seu modo, e decidiram então que valia a pena continuar lado a lado, simplesmente porque isso era bom.

Aí essas pessoas acompanhadas uma da outra vão se conhecendo mais e mais, participam das mesmas experiências, estão prontas a se abrir e a expressar emoções, o que gera confiança e intimidade. Dividem histórias, opiniões, aprendizados, segredos, risadas, memórias, silêncios, dores. Fazem com que os problemas fujam temporariamente, ajudam a desembaraçar nós; compartilham dos mesmos gostos e interesses, ou não; aceitam e respeitam as diferenças; contribuem sobremaneira com o nosso nível de bem-estar; torcem para que a gente cresça e acumule conquistas, e estão sempre lá também para as comemorações.

A amizade então vinga.

Como se desenham as amizades 
 
A amizade às vezes assume faces finitas, pausadas e distantes. Isso acontece porque ela é feita de ciclos – algumas podem durar toda uma vida, mesmo se intervaladas e adaptadas à pessoa que somos ao passar dos anos; outras se desmancham feito bolhas de sabão.
 
As relações de amizade mais superficiais, de pouco envolvimento e contato, podem ser explicadas por comportamentos ainda imaturos emocionalmente. Queremos manter o controle, exigimos retorno, esperamos por atitudes, buscamos correspondência, queremos ter necessidades satisfeitas e ser contemplados em nossas próprias vontades, o que pode desencadear sentimentos de frustração. Só a capacidade de lidar com decepções nos permite entender e aceitar o outro em suas particularidades e, assim, sustentar a amizade.
 
Para aquelas redondas e maciças, há um eixo comum norteador: a possibilidade do encontro real, verdadeiro e único de pessoas dispostas a se relacionarem afetivamente, sendo para o outro aquilo que se é capaz.

 

Por acreditar que "amizades tendem a ser um ponto de estabilidade em um mundo em constantes mudanças", a The School of Life, de São Paulo, oferece um espaço para sair do automático e, na companhia dos outros, colocar em perspectiva o relacionamento entre amigos. A escola tem entre seus fundadores o filósofo suíço Alain de Botton e promove encontros sobre como lidar com questões corriqueiras da vida.
 
A aula “Como trocar quantidade pela qualidade nas amizades”, conduzida pelo físico budista Stephen Little, é baseada principalmente em Aristóteles, que percebeu que, apesar da amizade ser uma intensa fonte de alegria e prazer, ela também é bastante diversa e demanda uma postura ativa e paciente de cuidado a longo prazo.
 
Em busca de entendimento, o filósofo grego agrupou os amigos em três tipos:
 
  • Amizades de utilidade: que dependem de atividades e projetos em comum;
  • Amizades baseadas no prazer: que duram enquanto houver esse sentimento na relação;
  • Amizades fundamentadas em amar alguém por quem é : quando você conhece o outro e é conhecido por essa pessoa exatamente por aquilo que vocês são de fato.
 
Ainda que diferentes relações exerçam sua função e devam estar garantidas em nossa vida, é em busca desse último tipo de conexão que devemos nos guiar – embora o seu valor seja também proporcional à raridade.
 
As trocas nos tempos do agora
 
A singularidade de cada amizade se desdobra em histórias múltiplas, construídas a partir do reflexo das pessoas envolvidas na relação. 
 
Amizade é poder confiar no amor que alguém sente por você, que ajuda a se movimentar e a crescer, trazendo a liberdade de ser quem verdadeiramente somos. A iniciativa é providencial em tempos de redes sociais, quando o conceito parece tão banalizado por somar amigos sem, contudo, sentirmos a presença deles.
 

Todos têm acesso à sua intimidade e manifestam opiniões através de curtidas, demonstram emoções com alternativas simplistas de carinhas coloridas, ou enviam comentários feitos de palavras abreviadas, que encurtam o sentido. Se a tecnologia parece anestesiar as relações, é também verdade que atua como fermento em algumas delas, porque tornou mais fácil fazer e manter um contato. A interação com a diversidade faz bem ao apresentar e ampliar possibilidades e renovar ideias, nos tornando mais abertos para conhecer pessoas.

Fato é que temos a necessidade comum de estar com o outro. A constância em uma relação favorece o vínculo e a vivência de experiências boas em potência. Afinal, as mãos estão em pares para serem dadas. “Não nos afastemos muito”, aconselha o poeta Carlos Drummond de Andrade. Porque a amizade nos faz (bem) mais felizes.

 
Fonte: http://vidasimples.uol.com.br/noticias/pensar/amigos-possiveis.phtml#.Vv61ZPkrKUl

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