Amigos possíveis
A cartinha escrita na noite anterior que pretendia entregar ao meu paquera estava na mochila e confidenciei isso a uma amiga da escola. No meio da aula, ela revelou meu segredo para todos da sala. Soube então o que significava a confiança. E como era importante.
Encontrar um amigo não é tarefa fácil. É preciso coincidir a vontade de compartilhar uma história, que envolve capítulos da comédia ao drama, em narrativa não linear. O desafio é posto sobretudo pela complexidade das relações humanas – amigos precisam estar dispostos à experiência de se conectar em nível profundo e positivo para trocas, oferecendo o que há de melhor dentro da gente.
Só que estamos em constante processo de transformação, atropelados por uma rotina de obrigações sufocante e apressada, e a instabilidade parece não favorecer a construção de laços mais profundos ou a manutenção de vínculos mais próximos. A amizade, contudo, resiste teimosa a essa lógica e se agarra à nós como uma alternativa para seguirmos em frente juntos, compartilhando o bem-querer.
Amigos são pessoas afins que se encontraram; a disponibilidade para o convívio e a dedicação investida na relação mostraram que elas se complementavam a seu modo, e decidiram então que valia a pena continuar lado a lado, simplesmente porque isso era bom.
Aí essas pessoas acompanhadas uma da outra vão se conhecendo mais e mais, participam das mesmas experiências, estão prontas a se abrir e a expressar emoções, o que gera confiança e intimidade. Dividem histórias, opiniões, aprendizados, segredos, risadas, memórias, silêncios, dores. Fazem com que os problemas fujam temporariamente, ajudam a desembaraçar nós; compartilham dos mesmos gostos e interesses, ou não; aceitam e respeitam as diferenças; contribuem sobremaneira com o nosso nível de bem-estar; torcem para que a gente cresça e acumule conquistas, e estão sempre lá também para as comemorações.
A amizade então vinga.

- Amizades de utilidade: que dependem de atividades e projetos em comum;
- Amizades baseadas no prazer: que duram enquanto houver esse sentimento na relação;
- Amizades fundamentadas em amar alguém por quem é : quando você conhece o outro e é conhecido por essa pessoa exatamente por aquilo que vocês são de fato.
Todos têm acesso à sua intimidade e manifestam opiniões através de curtidas, demonstram emoções com alternativas simplistas de carinhas coloridas, ou enviam comentários feitos de palavras abreviadas, que encurtam o sentido. Se a tecnologia parece anestesiar as relações, é também verdade que atua como fermento em algumas delas, porque tornou mais fácil fazer e manter um contato. A interação com a diversidade faz bem ao apresentar e ampliar possibilidades e renovar ideias, nos tornando mais abertos para conhecer pessoas.
Fato é que temos a necessidade comum de estar com o outro. A constância em uma relação favorece o vínculo e a vivência de experiências boas em potência. Afinal, as mãos estão em pares para serem dadas. “Não nos afastemos muito”, aconselha o poeta Carlos Drummond de Andrade. Porque a amizade nos faz (bem) mais felizes.