Empreendedor mirim
A start-up americana WeWork, uma das maiores empresas de co-working (escritórios compartilhados) do mundo, anunciou que irá lançar uma escola para ensinar empreendedorismo a crianças a partir dos três anos. O nome da escola será WeGrow.A ideia é que suas filiais funcionem no mesmo local dos escritórios compartilhados, para que as crianças aprendam com os próprios empreendedores que usam estes espaços.
O projeto surgiu de um problema pessoal enfrentado pelos donos da empresa, Adam e Rebekah Neumann: ao buscarem escolas para os filhos pequenos, não conseguiram encontrar nenhuma que considerassem adequada às necessidades do século 21. Por isso, decidiram fundar sua própria escola.
Não é a primeira vez que isso acontece.
Diversos empresários egressos da indústria de tecnologia dos Estados Unidos começaram uma família e, vendo-se na mesma situação que os Neumann, criaram pequenas escolas baseadas nos princípios que norteiam as empresas do Vale do Silício, como colaboração, criatividade, resiliência e empreendedorismo.
Alguns exemplos são a Portfolio School, cujo co-fundador, Babur Habib, teve uma empresa comprada pela Intel; a Kahn Lab School, fundada por Sal Khan, da Khan Academy, que busca revolucionar a educação por meio de vídeo-aulas; e a AltSchool, uma rede de pequenas escolas criada por um ex-executivo do Google, Max Ventilla. Muitas delas são conhecidas como micro-escolas, por serem pequenas e experimentais – a AltSchool tem, em média, 35 alunos por unidade. Essas escolas usam uma adaptação do método montessoriano, que mistura alunos de diferentes idades de acordo com seu desenvolvimento. Em muitas, o ambiente lembra mais um escritório do futuro do que uma sala de aula.
Empreendedores naturais
O que estes empreendedores têm em comum é a ideia de revolucionar a educação e adaptá-la ao mercado de trabalho atual. Em entrevista à revista Fast Company, Rebekah Neumann afirmou que crianças são “empreendedoras naturais”, e que o sistema educacional restringe a criatividade. Porém, quando elas terminam a universidade e chegam ao mercado de trabalho, a expectativa é que inovem e desafiem o sistema.
“Agora que sou mãe, percebo uma grande oportunidade perdida no sistema educacional, porque crianças estão prontas para começar a criar seu projeto de vida aos cinco anos”, afirmou.
Os alunos do projeto piloto da WeGrow, com idades entre cinco e oito anos, já tiveram aulas com os funcionários do WeWork sobre como criar marcas e usar técnicas eficientes de vendas, e com o próprio Adam, sobre oferta e demanda. Eles também podem ter mentorias.
Uma aluna de oito anos, por exemplo, fez camisetas para vender em uma atividade escolar e, agora, será aprendiz de um designer de moda que aluga um dos espaços do WeWork.
Rebekah disse à Bloomberg: "Pelas minhas regras, nada impede uma criança de ter seu próprio negócio”. O WeWork tem escritórios em São Paulo e no Rio.
O fundador da Portfolio também vê espaço para reimaginar todo o sistema educacional. “Se as coisas estão mudando no mundo real, por que não nas escolas?”, disse à Fast Company.
Na mesma entrevista, ele disse que o conteúdo não é mais tão importante – ele está, literalmente, no bolso de trás, afirmou, apontando para seu iPhone. “O importante é como o conteúdo ensinado é aplicado. Achamos que o processo criativo de pegar uma ideia e produzir algo com ela é importante para o futuro.”
Comercialização do brincar
A ideia de ensinar empreendedorismo tão cedo, porém, também gera críticas. Corey Pein, autor do livro “Live Work Work Work”, uma crítica à cultura do Vale do Silício que será lançado em breve, questiona: “E se as pessoas não quiserem ser empreendedoras?
Há uma certa ingenuidade entre a elite que acredita que todos podem ser fundadores de uma start-up de sucesso”, disse à Fast Company. Outro problema é a abordagem instrumental do método de ensino, que “essencialmente encoraja as crianças a monetizar suas ideias”, disse à Bloomberg Samuel Abrams, diretor do Centro Nacional de Estudo da Privatização da Educação, em Columbia.
“Você suga o prazer da educação em uma época em que essas crianças deveriam estar apenas pensando sobre questões como ‘como as plantas crescem?’ ou ‘por que há tantas espécies?’.” A opinião é compartilhada pelo pediatra Daniel Becker, docente da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e autor do blog Pediatria Integral. Ele disse ao Nexo que a proposta representa o fim da infância e uma adultização precoce. “A criança não precisa se fingir de adulta para ser competitiva lá na frente. Ela precisa ser criança, brincar e aprender brincando.”
Fonte: https://www.nexojornal.com.br/expresso/2017/11/09/Qual-a-cr%C3%ADtica-ao-projeto-que-ensina-empreendedorismo-a-crian%C3%A7as