Como fazer uma prova nota 10

Como fazer uma prova nota 10

8 de março de 2012
por João Marques -
Colégio Recanto - Rio de Janeiro, RJ


Professora Roberta Ramos
A professora Roberta Ramos numa das salas do Colégio São Luís. Ela mudou completamente a maneira de preparar as avaliações (Foto: Filipe Redondo/ÉPOCA)

Antes de chegar ao Colégio São Luís, em São Paulo, a professora Roberta Ramos não perdia mais que meia hora para preparar uma prova de português. As perguntas eram diretas e exigiam do aluno pouco mais que o esforço de decorar a matéria. Ela mesma admite isso. Seis anos atrás, ao ingressar na equipe de professores da escola, uma das particulares mais tradicionais da cidade, Roberta passou por um treinamento específico para aprender a preparar provas. Hoje, gasta por volta de uma hora para elaborar avaliações para alunos da 6ª série, com 12 anos de idade. Questões de gramática, antes apresentadas em frases soltas, agora vêm acompanhadas de textos, e a preocupação de Roberta vai além de verificar se os alunos sabem identificar sujeito e predicado – ou se a concordância verbal da frase está correta. Seu objetivo é criar questões que exijam uma reflexão sobre o idioma.

Roberta e o Colégio São Luís estão tentando mudar uma situação comum no Brasil e em outros países da América Latina: os professores não sabem avaliar seus alunos. Um estudo comparativo entre oito países latino-americanos, feito pelo uruguaio Pedro Ravela, da Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica do Uruguai, deixou isso claro. Ravela entrevistou 160 professores de escolas com bom desempenho nos exames da Unesco (que avaliam alunos da educação fundamental de 17 países da América Latina) e analisou as provas elaboradas por eles. A conclusão é que a grande maioria dos professores não sabe elaborar provas que avaliem o aprendizado de forma eficaz. “Os professores cobram apenas o conteúdo decorado. Não existe uma reflexão na hora de fazer os exercícios”, diz Ravela. Sua pesquisa não incluiu o Brasil, mas, segundo Maria Márcia Malavasi, coordenadora do curso de pedagogia da Unicamp, esse é um problema que também afeta as escolas brasileiras. “Infelizmente, o que temos visto são professores despreparados e provas que não conseguem avaliar as turmas”, diz ela.

O estudo de Ravela mostra três problemas fundamentais nas provas analisadas. Primeiro, não são reflexivas, cobram apenas o conteúdo decorado. Segundo, os professores não debatem as questões com os alunos depois da correção, o que é fundamental para que aprendam. Terceiro, a maneira como os professores corrigem as provas é subjetiva e arbitrária. Para Ravela, a raiz desses problemas se encontra na formação do professor. Ele não aprende a fazer provas na faculdade. “Falta aos professores fazer esse trabalho de ajudar os alunos a entender o que aquela nota realmente significa, quais são os critérios de avaliação, mostrar exemplos de como melhorar”, diz ele. A professora Maria Márcia diz que não existe, no curso de pedagogia, uma matéria que ensine a preparar provas. Os cursos oferecem disciplinas que abordam teoricamente os princípios da avaliação. Supõe-se que os professores aprenderão a preparar provas durante seus estágios profissionais. Na prática, portanto. “Isso é um erro”, afirma Laez Fonsesa, coordenador pedagógico do Colégio São Luís. “Os estágios não são suficientes para esse tipo de aprendizado. A faculdade deveria oferecer uma disciplina que ensinasse a preparar provas.”

Até pouco tempo atrás, as provas eram usadas apenas para medir o conteúdo decorado. Isso está mudando.

A necessidade de melhorar as avaliações ficou evidente nos últimos anos, quando os alunos começaram a fazer as provas do Enem (que avalia o ensino médio) e do Enade (voltado para os estudantes universitários). Esses dois exames têm métodos de avaliação reflexivos, diferentes dos testes que prevaleciam nas escolas. Agora, os cursos de pedagogia e de licenciatura precisam se adaptar à mudança. “As exigências mudaram”, afirma Neide Noffs, coordenadora do curso de psicopedagogia da PUC-SP e pesquisadora na área de formação de professores.

Não existe uma fórmula para fazer boa prova – e nisso todos os pedagogos concordam. Mas existem pontos que devem ser levados em consideração na hora de elaborar qualquer avaliação, de qualquer matéria. Um deles é trabalhar o conteúdo em contextos e situação reais ou similares aos que o aluno pode encontrar na vida real. Isso obriga o estudante a aplicar aquilo que foi ensinado, e não apenas a reproduzir o que foi dito pelo professor (leia o quadro abaixo). Outro ponto importante é usar a prova como parte do processo de aprendizado, para que o aluno possa melhorar a partir da avaliação recebida. O modo como a nota é dada também é uma questão importante. É fundamental que a escola tenha os critérios de avaliação padronizados, para o aluno entender por que ganhou ou deixou de ganhar pontos em determinada questão. A avaliação, sugere Ravela, não deveria nunca ser vista como algo subjetivo e pessoal.

Algumas escolas já põem em prática o que o estudo de Ravela aponta como o método ideal de avaliação. O treinamento inclui um documento que cria regras para elaborar as provas. Foi com esse método que as provas da professora Roberta, do Colégio São Luís, deram um salto de qualidade. Os termos “cite exemplos” ou “na sua opinião” foram abolidos, por ser considerados subjetivos. Roberta também foi orientada a criar questões que despertem o espírito crítico do aluno e avaliem habilidades como comparar, interpretar e relacionar. Segundo ela, fazer provas que avaliam diferentes competências é muito mais trabalhoso, porque envolve pesquisa. “Tenho de pesquisar e elaborar questões que desafiem o aluno”, diz Roberta. “Tudo isso dá mais trabalho e toma mais tempo, mas o resultado final é muito melhor” (leia o quadro abaixo com a comparação dos resultados).

O profissional de educação deve ter uma inquietude que a faculdade não dá.

Os colégios Móbile e Sidarta, em São Paulo, também investiram na formação de seus professores. No Sidarta, a diretora pedagógica Claudia Siqueira fez um processo em três etapas: primeiro, avaliou com cada professor as provas que estavam acostumados a fazer, sempre questionando o tipo de competência que pretendiam avaliar com determinada questão. O resultado foi que a maioria das questões avaliava o conteúdo decorado. A partir disso, Claudia orientou os professores a refinar o processo de questionamento, com base nos critérios exigidos pelo Enem. Ela não fez nenhum curso específico para aprender a avaliar. Diz que aprendeu sozinha a fazer boas provas, por não se contentar em reproduzir os exercícios feitos na sala de aula. No Móbile, a tarefa de criar provas melhores foi dada à coordenadora pedagógica e professora de física Maria da Glória Martini.

O primeiro passo para a mudança foi reunir os professores durante seis meses para um estudo de habilidades e competências. Depois disso, Maria da Glória dividiu os professores em dois grupos – um resolvia as questões criadas pelo outro. A ideia era colocar o professor no papel de aluno, para que ele percebesse onde a avaliação apresentava problemas. “Deu muito certo. Pudemos ter uma noção real do que é eficaz em uma prova e do que não é”, diz Maria da Glória. Os métodos das escolas são diferentes, mas o objetivo é um só: fazer com que bons professores sejam, também, bons avaliadores. Afinal, a avalição afeta dramaticamente o aprendizado e a vida escolar do aluno. “Além de ensinar bem, um excelente professor deveria ser capaz de também fazer boas avaliações”, afirma Ravela. “Só assim o aprendizado é completo.”


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