Famílias
Ambientes de aprendizagem virtuais e a prática do trabalho remoto vêm promovendo maior convivência e interação entre crianças e suas famílias. Se antes era comum que eles pouco se encontrassem durante a semana, as medidas para frear a curva de disseminação do COVID-19 impuseram um convívio intenso que traz inúmeros desafios.
O psicanalista e professor Christian Dunker promoveu, em 25 de março, a transmissão Pais e filhos finalmente juntos em casa, que abordou “a percepção do especialista sobre como famílias podem se reinventar no momento atual, como as rotinas podem ser adaptadas e o que fazer em casos de pais separados e guarda compartilhada dos filhos.”
Confira abaixo os principais trechos da conversa com o psicanalista:
1. Temos recebido muitos questionamentos sobre como as famílias podem se reinventar nesse momento e quais são os principais problemas e desafios que surgem em tempos de confinamento. Qual é sua visão de forma geral?
Christian Dunker: Devemos começar considerando o caráter totalmente inédito do que estamos vivendo. É a primeira vez que estamos confinados dentro de casa por um período que pode ser bastante longo, com uma indeterminação do que pode acontecer. Isso reformula nosso cotidiano que, em geral, é marcado por uma forte divisão entre casa e rua.
Precisamos aproximar essa distância entre os universo privado e público. É preciso muita tolerância, aceitação e respeito porque as crianças vão, eventualmente, sofrer mais do que os adultos, já que boa parte das interações presenciais que elas precisam são proibidas nesse momento. Mesmo que a gente entenda e reconheça a realidade sanitária, o nosso psiquismo não aceita as coisas tão facilmente.
O momento pode ser muito interessante para reconfigurar as relações familiares, porque famílias precisam entender que há uma tarefa pela frente e isso não será feito por decreto e sim com muita conversa. Françoise Dolto, uma psicanalista muito aceita que viveu na França durante ocupação alemã, tem um conselho: diga a verdade para as crianças. No tempo delas e com a linguagem adequada, mas não esconda seu medo e incerteza. Crianças são muito mais resilientes, fortes e capazes de colaborar do que imaginamos.
“As famílias vão ter que criar uma nova experiência compartilhada. É uma nova intimidade que está sendo proposta. E só construímos isso com esforço. Essa realidade foi ocultada na conversa das pessoas sobre tecnologias virtuais, redes e ensino a distância.”
2. Qual a importância de falar sobre pais e filhos finalmente juntos em casa?
Christian Dunker: A importância é grande porque, no fundo, é um assunto sobre o qual nunca nos debruçamos muito extensamente. Temos uma discussão nacional sobre “homeschooling” e educação a distância, principalmente quando se considera o ensino universitário. Entretanto, parece que as pessoas estavam muito fixadas no aspecto tecnológico da novidade e pouco tocadas pelo fato de que isso altera completamente a circulação dentro de casa, e também a repartição entre as esferas privada e pública. Além disso, interfere na rotina de trabalho e de cuidados com a casa. O encargo que os filhos representam para os pais é também uma novidade, por isso a expressão “finalmente juntos” no título da transmisssão.
As famílias vão ter que criar uma nova experiência compartilhada. É uma nova intimidade que está sendo proposta. E só construímos isso com esforço. Essa realidade foi ocultada na conversa das pessoas sobre tecnologias virtuais, redes e ensino a distância. E agora despencou nas famílias e nas escolas desavisadamente.
3. As pessoas estão buscando fórmulas para administrar horários, conciliar o cuidado e filhos pequenos com o ensino em casa e com o trabalho. O que você diria para pais e mães que não estão conseguindo organizar seu tempo?
Christian Dunker: Primeiro, há uma violação de expectativas. Nós imaginávamos que teríamos mais tempo por trabalhar de casa e que as demandas seriam diminuídas. Isso não está sendo exatamente verdade, pois no ambiente online rendemos menos. Nos primeiros dias tendemos a ter uma desorganização atencional, ficamos mais nervosos e inquietos, tendemos a ter insônia e nos alimentar mal. Da mesma forma que crianças estão precisando reinventar a escola, precisamos reinventar o trabalho. Teremos que ser tolerantes com as interrupções. Essa pode ser uma oportunidade de introduzir as crianças no nosso universo laboral.
Também é importante que as famílias deem suporte a esse processo de reformulação das aulas que as escolas estão passando. Teremos que participar da escola de um jeito que nunca fizemos. Além disso, um conselho para momentos de estresse, quando chegamos perto de perder a razão, é a descontinuidade, como ir pensar no banheiro. A situação de estar no mesmo ambiente gera algo que poderíamos chamar de deslizamento de afetos e pensamentos. Se você está com raiva, vai ficando com mais raiva até gritar e perder a cabeça, porque nós perdemos as pausas que tínhamos no dia: o cafézinho, a pessoa que liga, os momentos de dirigir.
“Se conseguirmos(sic) enxergar um sentido de responsabilidade coletiva que ultrapasse o núcleo familiar, acho que teremos um momento formativo dessa geração.”
4. É um momento especial para refazer esses combinados familiares?